sábado, 14 de janeiro de 2017

CRÔNICA: LEMBRANÇAS (OU MÚSICAS) - POR EDNALDO BEZERRA


Quando a gente escuta música, quase sempre, vêm-nos muitas lembranças – de dez, de vinte, de trinta anos atrás. Aliás, não só lembranças, mas desperta também a nossa imaginação. Às vezes nos recordamos de algo que sequer aconteceu realmente. Ficamos na dúvida se a imagem que surge na mente ocorreu de verdade. O fato é que tudo o que vivemos fica armazenado na memória e, do nada, vem à tona cenas que estavam esquecidas. Mas será que elas estão mesmo na memória? Isto é, dentro da nossa cabeça? Ora, isso é o que a ciência diz. No entanto, acho que a história não é bem assim, pois são muitas informações – de toda uma vida – para uma pequena parte do nosso cérebro, um pedacinho de massa cinzenta. Na verdade, essa pequena porção funciona como a memória RAM de um computador. O HD está na alma. E a alma é imortal. Portanto, o que guardamos nela não se dissipa. É um tipo de energia eterna. Quem sabe se, de repente, essa energia não seja captada por outras pessoas mesmo quando não mais existirmos fisicamente? Talvez uma estrutura corporal semelhante a nossa possa receber as nossas vivências. Daí o porquê dos “déjà vus”, das melancolias, das histórias de ficção... É um eterno retorno crescente no universo. O ser humano vai evoluindo com o passar do tempo, e o planeta também. Sei lá! Não é bem desse jeito, Carolina, mas o caminho é por aí. A vida não faz sentido, se tudo acabar quando a gente morrer. É provável que fique no mundo visível aquilo que deixamos registrado, nossas obras, por assim dizer; e no invisível, aquilo que está gravado na alma.
Depois do almoço, ele se deitou, ligou o som e ficou escutando música por horas. A mulher, impaciente:
 – Vamos, João! As crianças querem passear. Vai ficar o sábado todo em casa? Levanta, homem!
 – Já vou, Carolina, só mais dez minutos de cochilo.
À noite, João relata para a esposa o que lhe ocorrera, quando escutava música à tarde. Uma conversa meio filosófica, digamos assim. Até mística. Carolina parecia descrente, concordava só pra não prolongar a conversa. Queria dormir. Desatenta e com cara de sono, ela sorria como se estivesse debochando.
 – Você está achando que estou elucubrando, não é? Então, tá bom! Você tem razão, Carol. Mas faça uma experiência você mesma. Qualquer dia desses, deite-se relaxadamente, num canto sossegado, e fique escutando músicas de que goste. Vai ver quantas lembranças aleatórias lhe virão à mente. Aí você vai concordar comigo!
Ela não disse nada, apenas se virou de lado.
Já dormia.


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