Num posto de gasolina
à beira da estrada, ele tomava um cafezinho e abastecia o carro. O céu já
estava estrelado, não havia lua. Cansado de tanto dirigir, decidiu repousar, e
aquela cidade do sertão paraibano lhe pareceu agradável para o pernoite.
Hospeda-se num hotel. Toma um banho e sai para jantar. Ao retornar, veste o
pijama, escova os dentes, e se deita. Pega um livro na maleta; lia “A
lentidão”, de Milan Kundera, mas, após duas páginas, o sono o fez desistir da
leitura. Apaga a luz do abajur, abre a janela. A noite está escura e fresca.
Observa as estrelas...
Aquele lugar lhe
parece familiar, já estivera ali em junho de 1988, a passeio, com amigos. Mas
onde estão os automóveis? Por que há pomposas carruagens? Sim, sem dúvida, é
Paris, no entanto, será que estava no século XVII? O que está acontecendo?...
Chegara cedo a Paris,
um pouco antes do horário marcado para o encontro com a marquesa Juliete. O sol
estava radiante naquela manhã de primavera. Jorge contempla o Arco do Triunfo e
procura uma sombra, mas prefere sentar-se ali mesmo numa mureta próxima. Os
minutos passam. Ansioso, olha para o relógio, já são trinta minutos de atraso.
Será ingenuidade? Marcar um encontro com uma madame em Paris, sair de Toste,
viajar horas, e acreditar que ela venha, esse castigo é mesmo merecido. Aonde
passar o restante do dia e a noite? Somente há trem de volta para Toste amanhã.
Então, lembrou-se de uma antiga conhecida, mademoiselle Gabrielle, que morava a
algumas quadras da Champs-Élysées, decidiu ir para lá, tinha certeza de
que seria bem recebido.
Absorto em seus
pensamentos, nem percebeu a chegada de uma carruagem. Marquesa Juliete, com uma
pequena bolsa a tiracolo, e madame Charlotte, gesticulando algo, desceram, e
logo o avistaram. Jorge olhou-as surpreso, foram exatos quarenta e dois minutos
de atraso, avistou os olhos negros e brilhantes de Juliete, seus cabelos curtos
e esvoaçantes, que deixavam transparecer o delicado contorno do pescoço. A
marquesa trajava um vestido azul, justo ao corpo; ao aproximar-se, sentiu o
coração acelerar e notou que ela também estava um pouco apreensiva,
demonstrando timidez.
– Vocês demoraram, eu
já estava desconfiando de que não viriam, se atrasassem mais cinco minutos,
talvez não me encontrassem mais aqui.
Juliete justificou o
atraso atribuindo a culpa ao condutor da carruagem por este ser meio lerdo.
Mas agora que estavam
ali em Paris, o que fazer? Começaram a andar pela calçada da avenida, havendo
um certo distanciamento entre eles, pois não se conheciam direito; existira,
até então, apenas a troca de olhares, cumprimentaram-se numa certa tarde, e,
por último, houvera a proposta de se encontrarem em Paris – incentivada e
articulada por Charlotte.
Uma atmosfera
desconcertante pairava no ambiente, mas a amiga com a sua experiência resolveu
a questão: vou ter que visitar uma tia em Bourg-la-Reine, vá com ele, Juliete,
depois nos vemos. Jorge, agora você pode pegar na mão dela, o marquês não está
por perto. Aproveitem a estada em Paris. Divirtam-se. E até mais ver!
Passavam em frente a
um café, e os dois, tímidos e enamorados, resolveram entrar, tomar um vinho
branco, saborear um peixe à la belle meuniére, enquanto conversavam. Juliete,
depois de beber dois cálices, foi ficando mais à vontade, confidenciou-lhe que
sentira uma forte atração por ele fazia algum tempo; no entanto, faltava-lhe
coragem para aproximar-se. Não fosse a ajuda de Charlotte, não teria a ousadia
de marcar aquele encontro. Disse-lhe que traíra o marquês apenas em
pensamentos, e que era a primeira vez, depois de casada, que um rapaz lhe fazia
a corte. Casara-se muito jovem e não tivera a oportunidade de apaixonar-se, de
viver um grande amor, uma paixão. A curiosidade a impulsionava, e a vontade de
experimentar tal sentimento que despertava no seu ser era incontrolável,
levando-a àquela ação impetuosa.
Jorge, atento, a
escutava, ficava-lhe claro que a marquesa não tinha a intenção de abandonar a
vida que levava, em companhia do marido e de sua filha. Seria apenas uma
aventura transitória, de poucos dias, depois as suas vidas seguiriam rumos
distintos.
Os pensamentos dele
eram confusos. Deveria seguir em frente com o pecado? Ou recuar? Naquele
momento, veio-lhe a imagem de uma mulher com a fisionomia de sua noiva
censurando-o. Que coisa estranha! Ele não entendia por que estava ali com
outra. E sabia que se prosseguisse naquela aventura não estaria fazendo a coisa
certa, porque contrariava as leis de Deus; a ideia do inferno, do sofrimento
eterno, atormentava-o. Como se justificaria perante Deus na hora do julgamento
final?...
– Jorge, o que foi?
Em que você está pensando? – Juliete lhe pergunta, percebendo-o distraído.
Ele a olha nos olhos.
Aqueles olhos negros, desejosos de amor. Observa a sua fisionomia sensual, seus
lábios umedecidos, então, num lapso de tempo, começa a fantasiar, a imaginá-la
na intimidade. Em meio a esses emaranhados de pensamentos animalescos, Jorge
não resiste a tentação, entrega-se de corpo e alma, e beija-lhe demoradamente a
boca.
Depois disso, se vê
indo para a casa da amiga, a algumas quadras da Champs-Élysées. Com um sorriso
no rosto, Mademoiselle Gabrielle os recebe; muito espontânea, dá um abraço
afetuoso em Jorge e cumprimenta Juliete carinhosamente, de modo a deixá-la à
vontade.
– Querem tomar água?
Vocês devem estar cansados, vou levá-los para o quarto.
Saciaram a sede, e
Gabrielle os encaminha para dentro da casa, sobem uma escada à direita do
corredor e, já no andar de cima, ela abre uma porta e lhes diz:
– Este é o meu
quarto, vou deixá-lo para vocês, pois é o cômodo mais confortável, não se
preocupem e estejam em casa.
A amiga saiu, e os
dois se entreolharam, como se os olhos estivessem unidos por um fio, um bordado
no ar. Estavam a sós. Jorge fecha a porta, vai até a janela e abre uma fresta
da cortina branca, a claridade do dia ilumina um pouco o ambiente. Ficou a
olhar o movimento lá fora, às vezes, passava uma carruagem apressada, tal qual
os batimentos do seu coração. Olha para Juliete e vê seus olhos, brilhantes e
desejosos, seus lábios pareciam fazer movimentos suaves e sensuais.
O quarto era
simples; o silêncio, o clima úmido, as paredes brancas, meio acinzentadas,
davam-lhe um aspecto aconchegante. A cama larga e suspensa quase dois metros do
solo era um convite para o amor. Ele ainda observava os lábios da moça, a
excitação aumentava; num impulso, abraça Juliete, e beijam-se por um longo
tempo.
Instintivamente, eles sobem na cama e aos
poucos as roupas caem no chão de maneira desordenada. Jorge a olha deslumbrado.
Chegara o momento tão esperado, parecia um sonho bom, seus corpos se fundem,
ela emite uns sussurros intermitentes; para ele não existia mais nada, o
universo estava ali, num corpo de mulher... não percebia nem o tempo nem o
espaço, um momento eterno. Infinito. Como o é a quantidade de números entre
sete e oito. De súbito, uma erupção vulcânica explode em seu ser extasiado...
A luz do sol
entra por uma pequena abertura refletindo na parede do quarto do hotel. Um
passarinho canta, insistente; é o trilar do sibite, deve haver um ninho na
caixa do arcondionado, e aquela melodia o desperta; estremunhado, olha para o
relógio. Será que já tinha visto aqueles olhos negros em algum lugar? Por que o
seu inconsciente criara tudo isso?... Boceja. Sete e meia. Hora de pegar
a estrada novamente.
Por: Ednaldo Bezerra - escritor
Muito bom. Parabéns!
ResponderExcluirTem mais???????
ResponderExcluirHá algum tempo venho acompanhando as postagens do senhor Ednaldo Bezerra, mas havia deixado de publicar.
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