sábado, 15 de agosto de 2015

CONTO: OLHOS NEGROS - POR EDNALDO BEZERRA


Num posto de gasolina à beira da estrada, ele tomava um cafezinho e abastecia o carro. O céu já estava estrelado, não havia lua. Cansado de tanto dirigir, decidiu repousar, e aquela cidade do sertão paraibano lhe pareceu agradável para o pernoite. Hospeda-se num hotel. Toma um banho e sai para jantar. Ao retornar, veste o pijama, escova os dentes, e se deita. Pega um livro na maleta; lia “A lentidão”, de Milan Kundera, mas, após duas páginas, o sono o fez desistir da leitura. Apaga a luz do abajur, abre a janela. A noite está escura e fresca. Observa as estrelas...


Aquele lugar lhe parece familiar, já estivera ali em junho de 1988, a passeio, com amigos. Mas onde estão os automóveis? Por que há pomposas carruagens? Sim, sem dúvida, é Paris, no entanto, será que estava no século XVII? O que está acontecendo?...


Chegara cedo a Paris, um pouco antes do horário marcado para o encontro com a marquesa Juliete. O sol estava radiante naquela manhã de primavera. Jorge contempla o Arco do Triunfo e procura uma sombra, mas prefere sentar-se ali mesmo numa mureta próxima. Os minutos passam. Ansioso, olha para o relógio, já são trinta minutos de atraso. Será ingenuidade? Marcar um encontro com uma madame em Paris, sair de Toste, viajar horas, e acreditar que ela venha, esse castigo é mesmo merecido. Aonde passar o restante do dia e a noite? Somente há trem de volta para Toste amanhã. Então, lembrou-se de uma antiga conhecida, mademoiselle Gabrielle, que morava a algumas quadras da Champs-Élysées, decidiu ir para lá, tinha certeza de que seria bem recebido.


Absorto em seus pensamentos, nem percebeu a chegada de uma carruagem. Marquesa Juliete, com uma pequena bolsa a tiracolo, e madame Charlotte, gesticulando algo, desceram, e logo o avistaram. Jorge olhou-as surpreso, foram exatos quarenta e dois minutos de atraso, avistou os olhos negros e brilhantes de Juliete, seus cabelos curtos e esvoaçantes, que deixavam transparecer o delicado contorno do pescoço. A marquesa trajava um vestido azul, justo ao corpo; ao aproximar-se, sentiu o coração acelerar e notou que ela também estava um pouco apreensiva, demonstrando timidez. 


– Vocês demoraram, eu já estava desconfiando de que não viriam, se atrasassem mais cinco minutos, talvez não me encontrassem mais aqui.


Juliete justificou o atraso atribuindo a culpa ao condutor da carruagem por este ser meio lerdo.  

Mas agora que estavam ali em Paris, o que fazer? Começaram a andar pela calçada da avenida, havendo um certo distanciamento entre eles, pois não se conheciam direito; existira, até então, apenas a troca de olhares, cumprimentaram-se numa certa tarde, e, por último, houvera a proposta de se encontrarem em Paris – incentivada e articulada por Charlotte.

Uma atmosfera desconcertante pairava no ambiente, mas a amiga com a sua experiência resolveu a questão: vou ter que visitar uma tia em Bourg-la-Reine, vá com ele, Juliete, depois nos vemos. Jorge, agora você pode pegar na mão dela, o marquês não está por perto. Aproveitem a estada em Paris. Divirtam-se. E até mais ver!

Passavam em frente a um café, e os dois, tímidos e enamorados, resolveram entrar, tomar um vinho branco, saborear um peixe à la belle meuniére, enquanto conversavam. Juliete, depois de beber dois cálices, foi ficando mais à vontade, confidenciou-lhe que sentira uma forte atração por ele fazia algum tempo; no entanto, faltava-lhe coragem para aproximar-se. Não fosse a ajuda de Charlotte, não teria a ousadia de marcar aquele encontro. Disse-lhe que traíra o marquês apenas em pensamentos, e que era a primeira vez, depois de casada, que um rapaz lhe fazia a corte. Casara-se muito jovem e não tivera a oportunidade de apaixonar-se, de viver um grande amor, uma paixão. A curiosidade a impulsionava, e a vontade de experimentar tal sentimento que despertava no seu ser era incontrolável, levando-a àquela ação impetuosa.

Jorge, atento, a escutava, ficava-lhe claro que a marquesa não tinha a intenção de abandonar a vida que levava, em companhia do marido e de sua filha. Seria apenas uma aventura transitória, de poucos dias, depois as suas vidas seguiriam rumos distintos.

Os pensamentos dele eram confusos. Deveria seguir em frente com o pecado? Ou recuar? Naquele momento, veio-lhe a imagem de uma mulher com a fisionomia de sua noiva censurando-o. Que coisa estranha! Ele não entendia por que estava ali com outra. E sabia que se prosseguisse naquela aventura não estaria fazendo a coisa certa, porque contrariava as leis de Deus; a ideia do inferno, do sofrimento eterno, atormentava-o. Como se justificaria perante Deus na hora do julgamento final?...

– Jorge, o que foi? Em que você está pensando? – Juliete lhe pergunta, percebendo-o distraído.

Ele a olha nos olhos. Aqueles olhos negros, desejosos de amor. Observa a sua fisionomia sensual, seus lábios umedecidos, então, num lapso de tempo, começa a fantasiar, a imaginá-la na intimidade. Em meio a esses emaranhados de pensamentos animalescos, Jorge não resiste a tentação, entrega-se de corpo e alma, e beija-lhe demoradamente a boca.

Depois disso, se vê indo para a casa da amiga, a algumas quadras da Champs-Élysées. Com um sorriso no rosto, Mademoiselle Gabrielle os recebe; muito espontânea, dá um abraço afetuoso em Jorge e cumprimenta Juliete carinhosamente, de modo a deixá-la à vontade.

– Querem tomar água? Vocês devem estar cansados, vou levá-los para o quarto.

Saciaram a sede, e Gabrielle os encaminha para dentro da casa, sobem uma escada à direita do corredor e, já no andar de cima, ela abre uma porta e lhes diz:

– Este é o meu quarto, vou deixá-lo para vocês, pois é o cômodo mais confortável, não se preocupem e estejam em casa.
     
     A amiga saiu, e os dois se entreolharam, como se os olhos estivessem unidos por um fio, um bordado no ar. Estavam a sós. Jorge fecha a porta, vai até a janela e abre uma fresta da cortina branca, a claridade do dia ilumina um pouco o ambiente. Ficou a olhar o movimento lá fora, às vezes, passava uma carruagem apressada, tal qual os batimentos do seu coração. Olha para Juliete e vê seus olhos, brilhantes e desejosos, seus lábios pareciam fazer movimentos suaves e sensuais.
     
     O quarto era simples; o silêncio, o clima úmido, as paredes brancas, meio acinzentadas, davam-lhe um aspecto aconchegante. A cama larga e suspensa quase dois metros do solo era um convite para o amor. Ele ainda observava os lábios da moça, a excitação aumentava; num impulso, abraça Juliete, e beijam-se por um longo tempo.
     
     Instintivamente, eles sobem na cama e aos poucos as roupas caem no chão de maneira desordenada. Jorge a olha deslumbrado. Chegara o momento tão esperado, parecia um sonho bom, seus corpos se fundem, ela emite uns sussurros intermitentes; para ele não existia mais nada, o universo estava ali, num corpo de mulher... não percebia nem o tempo nem o espaço, um momento eterno. Infinito. Como o é a quantidade de números entre sete e oito. De súbito, uma erupção vulcânica explode em seu ser extasiado...

      A luz do sol entra por uma pequena abertura refletindo na parede do quarto do hotel. Um passarinho canta, insistente; é o trilar do sibite, deve haver um ninho na caixa do arcondionado, e aquela melodia o desperta; estremunhado, olha para o relógio. Será que já tinha visto aqueles olhos negros em algum lugar? Por que o seu inconsciente criara tudo isso?...  Boceja. Sete e meia. Hora de pegar a estrada novamente.



 Por: Ednaldo Bezerra - escritor
                                              

3 comentários:

  1. Muito bom. Parabéns!

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  2. Há algum tempo venho acompanhando as postagens do senhor Ednaldo Bezerra, mas havia deixado de publicar.

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