sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

RODA-VIVA... POR EDNALDO BEZERRA


Meu filho acorda cedo e fica zanzando pela casa, enfezado. Levanto da cama e vou, pacientemente, preparar o café. Ele começa a fazer birra, falar gritando, não quer comer a maçã e nem tomar o leite que lhe preparei. O tempo vai passando, minha filha demora a se aprontar, e o horário de levá-los à escola se aproxima. Imagino o trânsito, a cidade a essa hora da manhã já está barulhenta, começo a ficar mal-humorado, com essa confusão e com a malcriação do garoto. Minha esposa tenta apaziguar os ânimos, mas já está se impacientando também.  Que vida dura! 
Depois de todo esse turbilhão, e de conseguir deixar as crianças na escola, no horário; a calma vai voltando, e me vem a lembrança de outro dia, não muito distante: O caçula, febril e birrento como nunca, sente dor de ouvido; minha filha, que nunca adoece, também está com febre; eu, nervoso e cansado; minha mulher, estressada. O barulho do motor do bate-estaca da construção na Rua Francisco da Cunha está infernal (nunca vi uma fundação durar tanto tempo, mais de um ano); o trânsito apresenta-se caótico. Faz sol, saio para passear na orla a fim de relaxar um pouco. No caminho, vejo um casal de mendigos, ambos são bem jovens, estão sujos, malcheirosos e dormindo num colchão imundo estendido na calçada, têm o aspecto doentio. O rapaz está com a mão no maxilar, parece ter dor de dente; a moça está grávida, mas tem o olhar de quem já desistiu de viver. Isso é que é vida dura!
Chego ao calçadão de Boa Viagem, o mar está lindo, um azul sem igual, sopra uma brisa forte de sudeste. É final de outubro. Meus pensamentos vão se clareando, vejo que meus problemas são nada, sou um felizardo, vem-me uma sensação de felicidade; agradeço a Deus por tudo e por toda graça que, diariamente, Ele me proporciona. Que vida boa! E inicio a minha caminhada...

As coisas são assim mesmo, não são somente dias bons, há aqueles em que tudo parece estar confuso, diminuindo a nossa alegria de viver, uma verdadeira roda-viva. Todo ser humano desfruta desse mesmo sentimento, pois a insatisfação momentânea é uma característica inerente ao homem. Mas como diria Chico Buarque: “Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu,  a gente estancou de repente, ou foi o mundo então que cresceu…”
 Embora a maioria das pessoas analise a letra dessa música do Chico, relacionando-a com o período do regime militar (e mesmo que ele tenha tido essa intenção), para mim, ela tem um significado mais profundo e me remete as fases da vida, a transformação da criança em adolescente e, finalmente, em adulto, com responsabilidades, “o tempo rodou num instante”, agora o adulto tem uma rotina, tem problemas a enfrentar, tem compromissos, enfim, vive numa roda-viva; outrora, cultivava muitos sonhos, mas não consegue mais realizá-los, “Faz tempo que a gente cultiva, a mais linda roseira que há, mas eis que chega a roda-viva, e carrega a roseira pra lá…”, por ser adulto, não tem mais tempo para brincar, fazer serenata, sambar, tudo não passou de uma ilusão passageira da infância e da adolescência, que logo se desvaneceu; no entanto sente muita saudade,  “No peito a saudade cativa, faz força pro tempo parar, mas eis que chega a roda-viva, e carrega a saudade pra lá...”

Por: Ednaldo Bezerra - Escritor

Um comentário:

  1. E não poderia ser diferente, não é Ednaldo? Acordo de manhã, pão com manteiga, tem sangue, muito sangue no jornal, misturo poesia com cachaça e acabo discutindo futebol. Mas não tem nada não! Sinto-me como voce que com muita propriedade conseguiu de forma poética e serena demonstrar os dias de hoje. Outrora meninos, tínhamos um pouco menos do que vemos hoje em dia e no fundo, lá no fundo parece tudo igual. "Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais"

    ResponderExcluir

Caro leitor, seja educado em seu comentário. O Blog Opinião reserva-se o direito de não publicar comentários de conteúdo difamatório e ofensivo, como também os que contenham palavras de baixo calão. Solicitamos a gentileza de colocarem o nome e sobrenome mesmo quando escolherem a opção anônimo. Pedimos respeito pela opinião alheia, mesmo que não concordemos com tudo que se diz.
Agradecemos a sua participação!

NOSSOS LEITORES PELO MUNDO!