domingo, 14 de abril de 2013

EVOCAÇÃO A RECIFE - POR FAUSTINO FERRAZ



Recife 
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois 
Recife das revoluções libertárias

 Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado 
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê 
na ponta do nariz
 
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos, namoros, risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam: Coelho sai! Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
 
De repente, nos longos da noite, um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era São José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.

Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe Capiberibe
 
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
 
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras 
Novenas, Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe- Capiberibe
 
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...


A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear A sintaxe lusíada
 A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam

 
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.

4 comentários:

  1. Ivanise Freitas Morais14 de abril de 2013 às 19:44

    Parabenizo Faustino Ferraz pela sensibilidade de apoiar esse projeto de valorização relacionado à cidade do Recife.

    ResponderExcluir
  2. Obrigado por esse presente diferente sobre a minha cidade, eu que resido em Salvador -BA e não esqueço de lá, principalmente do carnaval.

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir
  4. ESSE POEMA NÃO É DE MANUEL BANDEIRA?????

    ResponderExcluir

Caro leitor, seja educado em seu comentário. O Blog Opinião reserva-se o direito de não publicar comentários de conteúdo difamatório e ofensivo, como também os que contenham palavras de baixo calão. Solicitamos a gentileza de colocarem o nome e sobrenome mesmo quando escolherem a opção anônimo. Pedimos respeito pela opinião alheia, mesmo que não concordemos com tudo que se diz.
Agradecemos a sua participação!

NOSSOS LEITORES PELO MUNDO!